Instituto Esporte Mais garante segurança e aumenta permanência de meninas e mulheres no futebol em Fortaleza, Ceará

Futebol feminino respeita as diferenças de gênero, promove habilidades técnicas e socioemocionais e gera transformação social 

19.07.23

O futebol ainda hoje é visto como um esporte masculinizado. Para romper com esse estigma, Daiane França, jogadora de futebol desde a juventude, criou o Instituto Esporte Mais. O projeto vem garantindo segurança às meninas e mulheres que praticam futebol. Principalmente, oferece ferramentas para que elas continuem jogando ao longo dos anos. 

Entre os desafios para que meninas e mulheres se mantenham no esporte estão a falta de espaço para jogar, episódios de assédio moral e sexual dentro e fora do campo, constante associação das futebolistas com lesbianismo como forma de opressão, desrespeito às necessidades fisiológicas femininas ligadas à menstruação, etc.

Por isso, muitas meninas e mulheres começam a jogar, mas acabam desistindo depois de um tempo, explica Jessyca Rodrigues, co-fundadora do Instituto Esporte Mais. Jessyca também foi jogadora de futebol e diz ter enfrentado várias dificuldades: 

“Nós sempre precisávamos dividir a quadra com os homens, e quando eles chegavam, tínhamos que parar o jogo para liberar o espaço. Também tive algumas vivências com equipes de futebol em que os próprios treinadores não sabiam lidar com questões femininas, como menstruação, por exemplo. Éramos vistas como um problema”, recorda-se. 

Instituto Esporte Mais. Reprodução.

Futebol para o desenvolvimento

Daiane França e Jessyca Rodrigues são educadoras físicas. Elas criaram o Instituto Esporte Mais após participarem de um programa de capacitação oferecido pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) durante o período dos mega eventos esportivos realizados no Brasil: a Copa do Mundo e depois as Olimpíadas, entre 2014 e 2016. 

Durante o programa “Esporte para o Desenvolvimento”, da GIZ, foi possível pensar novas metodologias que utilizam o esporte como ferramenta de transformação social. Para isso, era preciso incluir uma visão de desenvolvimento integral, em que fosse possível desenvolver habilidades emocionais, pessoais e sociais, além das habilidades técnicas do esporte muito bem desenvolvidas. 

Como resultado, os participantes do programa criaram abordagens pedagógicas inovadoras: “O Treino Social foi um manual construído a partir de vivências da Alemanha junto com vivências brasileiras. Nós participamos da construção desse material e logo depois, fundamos o Instituto Esporte Mais. Era a maneira de continuar aquele trabalho, nós vimos como era significativo e que podia trazer impacto social”, conta Jessyca. 

Instituto Esporte Mais. Reprodução.

Meninas e mulheres no futebol

O Instituto Esporte Mais foi criado para incluir e manter meninas e mulheres jogando futebol. Assim, o primeiro projeto do instituto foi o Futebol pela Igualdade. Voltado para garotas entre 12 a 29 anos, o projeto é desenvolvido por uma equipe multidisciplinar formada totalmente por mulheres: assistente social, psicóloga, nutricionista, profissionais de educação física e estagiárias. 

As atividades foram iniciadas com oficinas sobre empoderamento feminino em times de futebol que já existiam. “As oficinas aconteciam durante o próprio jogo e as meninas que participavam das atividades diziam que nunca tinham feito um treino que desse voz para elas, onde pudessem falar como estavam se sentindo. Nós percebemos como isso era importante!”, diz Jessyca. 

O projeto logo se tornou referência e ocupa lugar central no instituto até hoje. Segundo Jessyca, é fundamental garantir espaços seguros e inclusivos para que meninas acessem e permaneçam no esporte: 

“Precisamos oferecer às garotas um espaço seguro fisicamente, mas também emocionalmente. Para isso, os treinos devem acontecer em um local de fácil acesso, que tenha segurança física, um ambiente que possa ser controlado, com portão para ser fechado durante o jogo e que impeça o acesso externo dentro do campo”, explica. 

“Também é preciso ter um espaço com vestiário, onde as meninas possam ter privacidade para trocar de roupa e fazer a higiene caso esteja menstruada. Além disso, incluir absorventes nos kits de primeiros socorros. Elas precisam se sentir confortáveis e que aquele espaço é digno para elas”, lembra Jessyca.

Esporte Mais Institute. Reproduction
Esporte Mais Institute. Reproduction

A natureza da mulher não é um problema

Para Jessyca, o que é natural da mulher não deve ser visto como um problema, nem impedir a prática de esportes. Por isso era importante desenvolver um projeto onde as mulheres se sentissem acolhidas e dignas de praticar aquela atividade física. Com medidas simples, as mulheres aumentaram o tempo de permanência no futebol: 

“Se antes uma menina que frequentava um projeto de futebol feminino ficava apenas um ou dois meses, agora temos meninas que estão conosco há cinco, sete anos e que não deixam de se desenvolver, que vão até crescendo dentro do próprio projeto”, diz Jessyca.  

Além dos aparatos materiais, contar com equipes preparadas, abertas para o diálogo e que ofereçam representatividade e inspirem as futebolistas, também colaborou para o fortalecimento do projeto. Muitas alunas beneficiadas, por exemplo, foram estudar educação física e viraram estagiárias. A construção do vínculo, aponta Jessyca, foi crucial nesse processo.  

Jessyca Rodrigues, co-fundadora do Instituto Esporte Mais. Reprodução.

Esporte e transformação social 

Estudos mostram que as meninas começam a praticar esportes muito mais tarde do que os meninos no Brasil. Enquanto eles iniciam a prática aos cinco anos de idade, elas vão ter o primeiro contato aos 11. Nisso, as meninas já perderam uma etapa importante dentro do desenvolvimento físico e esportivo, alerta Jessyca. 

E quando as meninas chegam aos 11 anos de idade e começam a praticar esporte, elas também se deparam com as mudanças da adolescência e da puberdade. Por isso, explica, muitas vezes essas meninas são afastadas ou se afastam da prática esportiva por não se sentirem acolhidas e contarem com uma equipe que esteja preparada para entender esse ciclo. 

Conheça outros projetos de futebol feminino desenvolvidos no Brasil:
Estrelas do Mandela: projeto realiza treinamento de futebol feminino com crianças e pré-adolescentes no Complexo de Manguinhos, Rio de Janeiro.
Eu Acredito Nelas: o projeto atende cerca de 100 meninas apaixonadas por futebol na cidade de Estância, Sergipe. A equipe já foi vice-campeã de competições como Taça da Mulher Estanciana, Campeonato Sergipano de Futebol Feminino, Copa Erick (categoria sub-11) e Campeonato Sergipano de Fut7. 
 
Liga Feminina de Futebol Amador: situada em São Paulo, a liga promove jogos e amistosos para equipes amadoras femininas. Também realiza o maior festival de várzea feminina, que neste ano terá 80 equipes.
Meninas em Campo: o projeto de São Paulo tem como objetivo valorizar a atuação da mulher na sociedade por meio do esporte, da educação e do desenvolvimento humano. Meninas de 9 a 17 anos podem participar. 
Taça das Favelas Ceará: Organizada pela Central Única das Favelas – CUFA, este é o maior torneio de futebol de campo entre favelas do mundo. Para participar, as atletas devem ter no mínimo 14 anos e ser moradoras de favelas do estado do Ceará. Em geral, participam times de Fortaleza, Crateús, Sobral e Juazeiro do Norte.

No futebol, em especial, ainda é preciso romper a barreira do preconceito. “As meninas que praticam futebol são vistas como masculinas e isso faz com que elas fiquem com baixa autoestima, elas entendem que aquele lugar não é para elas ou que aquilo nunca vai dar certo”, mostra Jessyca.

Dessa forma, trabalha-se muito a questão da autoestima. Depois de oito anos desenvolvendo habilidades socioemocionais, os resultados são promissores: a maioria das meninas beneficiadas pelo instituto, além de aumentarem a permanência no esporte, também conseguiram participar de cursos, oficinas e editais e hoje são fotógrafas, árbitras, estudantes universitárias e estagiárias no próprio projeto. 

Como o Instituto Esporte Mais funciona

O Instituto Esporte Mais atende 150 meninas e mulheres, vindas de mais de 15 bairros diferentes da cidade, em quatro núcleos espalhados por Fortaleza, no Ceará. As meninas treinam futebol de duas a três vezes por semana e participam de diversas outras atividades com foco em habilidades socioemocionais e igualdade de gênero.

Os núcleos funcionam por meio de parcerias com empresas privadas e poder público. Existe um núcleo de Futebol Society na Universidade de Fortaleza (Unifor), um núcleo de Futebol no Centro de Formação Olímpica, outro núcleo de Futsal no Cuca José Walter, por fim, um núcleo na Arena José Walter, que também é da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Fortaleza.

Para participar do projeto, é preciso fazer a inscrição, que ocorre duas vezes por ano: em julho e em janeiro. Qualquer menina ou mulher entre 12 e 29 anos pode se inscrever. Após a inscrição, as meninas frequentam o projeto durante um mês para entender como funciona. Se depois de um mês, ela decide ficar, recebe um kit que oficializa sua entrada no projeto contendo chuteira, dois uniformes, mochila, squeeze e meião. As meninas também são direcionadas para acessar bolsa-atleta e outras modalidades de apoio.

As principais fontes de financiamento do Instituto Esporte Mais são as leis de incentivo ao esporte, tanto a lei federal quanto a lei estadual. O instituto também conta com patrocínio da BB Seguros, Elo, Livelo, Instituto Heineken, entre outros.

Esporte Mais Institute. Reproduction
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Para  maiores informações, o e-mail de contato é: contato@esportemais.org

 

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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