Coletiva Pretas de Angola faz incidência política altamente qualificada no Cerrado

Grupo fortalece a luta antirracista em Goiás por meio da participação política e social de mulheres negras, ampliação de espaços democráticos e defesa da justiça climática

25.04.24

Diversas pautas conduzem a incidência política da coletiva Pretas de Angola, em Goiânia, capital de Goiás. Das mães que sofrem violência de Estado às alternativas de geração de renda nas comunidades quilombolas, tudo é abordado e levado para o debate público. Para isso, o grupo, formado por dez mulheres, todas pós-graduadas, participa de reuniões desde a base até a cúpula. 

“Nós temos assento na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, já tivemos presidência do Conselho Estadual de Igualdade Racial, hoje temos assento no Conselho Municipal de Igualdade Racial de Goiânia e também fazemos trabalho de base com as organizações sociais”, explica a professora de história Janira Miranda. 

Não é para menos. Com uma população autodeclarada de pessoas pretas e pardas de quase 50% somente em Goiânia, e de 25% de mulheres negras em todo estado, a coletiva mostra que temas urgentes precisam ser discutidos nos espaços de poder. O grupo surgiu em 2015, pelo ativismo de Janira Miranda, doutoranda em História pela Universidade de Brasília (UnB) e professora no Instituto Federal de Goiás (IFG).

Movimento negro

Janira Miranda nasceu no Maranhão, cresceu na Amazônia e radicou-se em Goiânia há 23 anos. Ela conta que sua militância está diretamente ligada ao movimento negro dentro das universidades. “Não peguei ações afirmativas como estudante, mas na qualidade de professora negra, tanto na PUC quanto no Instituto Federal de Goiás e sob o influxo do meu ativismo no movimento negro, me voltei para essa plataforma, que organiza a comunidade negra dentro da universidade”, reflete.

Segundo a professora, a população negra de Goiás, apesar de expressiva, muitas vezes é invisibilizada pelo contexto do agronegócio e do seu impacto sobre o meio ambiente. “Goiás é considerado a maior província mundial exportadora de grãos e carne. Vende para China, Rússia, Arábia Saudita. E Goiânia é a praça maior de um modelo capitalista que faz o superávit brasileiro.”

Janira lembra que a cidade possui um alto Índice de Desenvolvimento Humano porque conta justamente com o trabalho dessa população negra. “O município de Aparecida de Goiânia, na região metropolitana, é um território de alta vulnerabilidade, em que mais de 80% das pessoas se afirmam como negras. Teresina de Goiás, que é Terra Kalunga, ora aparece como o segundo, ora como o terceiro maior município de densidade negra no país. Então Goiás tem espaços de densidade negra elevada, em termos de população.”

Imagem: reprodução.

Ensino Superior

Para Janira, o movimento negro dentro da universidade tem sido um importante aliado na luta antirracista e vai muito além da formação dos núcleos de pesquisa. “Temos a comissão de política e de promoção da igualdade racial, que engloba as comissões de heteroidentificação, para evitar fraudes nas cotas. Temos os seminários e os encontros de culturas negras, mas nós também montamos um festival, por exemplo, voltado para a relação entre a comunidade interna e as comunidades quilombolas”, ressalta.

Além disso, o fato da coletiva ser formada por mulheres negras pós-graduadas faz com que o grupo transite com facilidade pelas instâncias de poder. “Mesmo que nós sejamos todas de origem periférica, algumas ainda radicadas na periferia até o presente, algumas quilombolas, tem esse diferencial de ter uma escolarização mais elevada. Essa qualificação nos permite algumas participações e acessos que nem todas as coletivas conseguem”.

Comunidades Quilombolas

A relação com as comunidades quilombolas, em especial, é central para a Coletiva Pretas de Angola. Entre suas principais lutas, está a defesa da titulação das terras quilombolas. O grupo também realiza diversos projetos em conjunto com a população Kalunga, que forma o maior território quilombola do Brasil, ocupando três municípios de Goiás em um total de 39 comunidades.

“Temos o aquífero Guarani, o berço das águas doces da América do Sul, então são temas gigantescos, os quais procuramos abordar a partir do cotidiano da vida e das práticas das mulheres cerradeiras, as mulheres de comunidades tradicionais”, afirma Janira Miranda. 

A ativista ainda chama atenção para o legado das experiências negras no campo cultural. “A cidade de Catalão possui a maior festa de Congada do país, uma festa negra com essa interface das reminiscências africanas no catolicismo goiano, que tem suas questões, seus dramas.” 

Ela comenta sobre o grande número de comunidades religiosas tradicionais, de matriz africana, que estão sofrendo um ataque sistemático: “Esse ataque vem do nosso ambiente social, desde uma violência circunvizinha, até um ataque oriundo de outros campos religiosos, sobretudo do neopentecostalismo.” 

Imagem: reprodução.

Luta antirracista

A coletiva Pretas de Angola forma um grupo independente e conta com parcerias para implementar suas ações, como a Universidade Federal de Goiás (UFG) e o Instituto Federal de Goiás (IFG) e as ONGs Dandara no Cerrado, Mulheres Negras Malungas e o Movimento Negro Unificado. 

O grupo também atua em rede ao lado da Articulação Nacional de Mulheres Negras Brasileiras, Coalizão Negra por Direitos e Rede Goiana de Mulheres Negras. “Por meio dessas redes, nós estamos organizando a Marcha de Mulheres Negras do Brasil. Ano que vem, a marcha completa dez anos e será a segunda incidência em Brasília este ano. Estamos nos preparando para levar 100 mil mulheres”, comenta Janira. 

Foi através desse trabalho em rede que a coletiva também fez ações na cidade diante de casos de violência de grande repercussão nacional e internacional, como os assassinatos de Jorge Floyd, nos Estados Unidos, João Alberto Silveira, no caso do Carrefour de Porto Alegre e do congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro. 

Coletiva Pretas de Angola

No âmbito local, a coletiva tem dado atenção especial para a questão da juventude e o genocídio negro brasileiro. “Agora nós estamos no debate sobre a colocação de câmeras no uniforme dos agentes de segurança pública, dos policiais. É uma luta gigantesca.” 

Para ampliar a participação democrática, a coletiva organiza a Rua do Lazer: “Nós fechamos a rua e oferecemos brinquedo para as crianças, um pula-pula, uma palhaçaria, algo do tipo, e um almoço, feito em colaboração, para a comunidade. E roda de conversa. Nosso foco são as mulheres”, diz a professora.

Com tudo isso, não resta dúvida de que o ativismo e os impactos da coletiva têm sido efetivos. “Todo movimento social tem suas especificidades, pluralidade e diferença. O movimento negro, no caso de Goiânia, mudou muito. E talvez, por nós estarmos na universidade, nós conseguimos conversar com todo mundo. Nós somos parte e talvez um indicador dessa mudança. E que bom que é assim!”, defende Janira Miranda.

Imagem: reprodução.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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