Intervenções da sociedade civil impactam a mobilidade urbana de cidades nordestinas
Experiências nas capitais, Salvador (BA) e Fortaleza (CE), apontam novos caminhos para o desenvolvimento da mobilidade urbana
Crédito das imagens: Divulgação
Por: Eduarda Nunes / Lupa do Bem – Favela em Pauta
A mobilidade é um dos maiores desafios da vida nas grandes cidades. O ir e vir, enquanto direitos constitucionais, se tornam verdadeiras disputas cotidianas para quem precisa realizar qualquer atividade fora de casa.
O crescimento desordenado da cidade, com pouco planejamento e muita pressa de dar certo, são as principais razões apontadas para que hoje tenhamos que lidar com essa questão.
Salvador (BA) é a primeira capital do Brasil e a mais populosa do nordeste. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, quase 2,9 milhões de pessoas habitam a cidade e 80% delas são negras.
Mesmo sendo a cidade mais negra do país, em se tratando do assunto mobilidade urbana, pouquíssimas delas estavam envolvidas na conversa.
Quem conta isso é Lívia Suarez, de 34 anos, que em 2015 deu início ao movimento La Frida, à época uma cafeteria itinerante. Foi nesse período que a empreendedora social passou a frequentar eventos e movimentos que pensam a mobilidade da cidade.
“As grandes questões de Salvador, todo mundo vai pensar que é ladeira, as grandes tipografias da cidade, só que a grande questão é a gente hoje ter um transporte público caro, com pouca estrutura, com superlotação, poucas rotas e rotas limitadas para as periferias”, relata.
A partir da percepção de exclusão da população periférica nesse assunto, o La Frida começou a se expandir. O primeiro projeto foi o “Preta, vem de Bike” para ensinar mulheres negras a andar e lidar com a bicicleta, através de cursos profissionalizantes de mecânica e customização.
Atualmente, o movimento conta com uma linha de bicicletas próprias, a Bici Pr3ta, e desenvolveu um sistema de compartilhamento que complementa o trajeto de milhares de soteropolitanos diariamente.
Ao todo, estima-se que duas mil mulheres já foram impactadas por esses empreendimentos sociais diretamente e mais de 20 mil indiretamente — considerando questões como empregabilidade e referências de iniciativas de direito à cidade.
Após quase 6 anos de atividades, La Frida enxerga os desdobramentos e impactos da iniciativa em Salvador.
“É uma cidade mais inclusiva, né? A gente percebe uma cara nova na cidade. Tanto de gênero, como de etnia, como de classe social. Hoje, a gente vê pessoas pretas periféricas utilizando a bicicleta como meio de lazer, transporte, esporte”, conta Lívia.
Ela também ressalta a importância do contato com o poder público na implementação de ciclovias e outras medidas que priorizem menos o transporte motorizado, de modo que todos possam acessar a cidade sem grandes dificuldades.
Salvador é a terceira cidade do nordeste em estrutura cicloviária. Segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), a capital baiana fica atrás apenas de Recife (PE) e Fortaleza (CE), que mantêm a posição de referência em investimentos e pesquisa em mobilidade urbana sustentável nos últimos anos.
A capital cearense é um caso de sucesso de como a cooperação entre organizações da sociedade civil e o poder público trazem melhorias na qualidade de vida.
Acompanhando o movimento pela mobilidade urbana em Fortaleza desde 2012, Felipe Alves é engenheiro civil, integra a Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza (Ciclovida) e é da diretoria da União de Ciclistas do Brasil (UCB).
Em entrevista para Lupa do Bem, ele conta que toda a movimentação na área começou em 2013, quando o país estava nas ruas fazendo diversas reivindicações e às vésperas da Copa do Mundo. A prefeitura municipal acolheu demandas trazidas por organizações de mobilidade ativa e criou uma rede de contato permanente com elas.
Felipe também credita o sucesso das ações e implementações ao monitoramento e uso de dados que a prefeitura realiza antes e após as execuções. Fortaleza conta com o Sistema de Informação de Acidentes de Trânsito (SIAT), sistema de dados que demonstra a efetividade dos serviços.
Um dos resultados mais expressivos dessa cooperação são os 364 km de malha cicloviária da cidade, com mais de 78 km construídos durante a pandemia. O poder público está empenhando em manter uma acomodação harmônica entre modais de transporte e, para isso, inclui ativistas que estiveram presentes nas reivindicações na Secretaria de Transporte e Mobilidade.
Em Fortaleza, o sistema de compartilhamento de bicicletas, por exemplo, funciona como um transporte integrado dos ônibus.
O alargamento das calçadas, a elevação das faixas de pedestres e as novas faixas exclusivas para ônibus são alguns dos fatores que levaram a cidade a bater a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de redução das mortes no trânsito pela metade até o fim da década (2020).
Essas medidas fazem os motoristas reduzirem a velocidade, sem precisar de placas indicativas de redução necessariamente.
Em relação às expectativas futuras da mobilidade na cidade, o engenheiro e ciclista reflete que “talvez estivesse na hora de fazer um investimento um pouco maior”. “Por exemplo, se não consegue resolver problemas num lugar onde foi feito um viaduto, por que não fazer um viaduto para bicicleta também?”, questiona.
Embora os últimos oito anos sejam de muitos avanços, o transporte motorizado ainda é visto como prioridades pelas gestões. “Você consegue ganhar espaços para outros modais sem mexer com os carros para não ser impopular. Mas, eu acho que você tem que mexer para você continuar evoluindo nos outros modos porque, se não, chega uma hora que você não consegue evoluir”, defende Felipe.