Museu do Hip Hop RS celebra o protagonismo das periferias gaúchas

Com um acervo de mais de 6 mil itens, primeiro museu da cultura hip hop na América Latina é um convite à reflexão sobre espaços urbanos, ética e compromisso

11.04.24

O Museu da Cultura Hip Hop Rio Grande do Sul foi inaugurado no final do ano passado em Porto Alegre e já fez história. Com exposições sobre poesia, ritmo, dança, arte e conhecimento, o espaço é o primeiro da América Latina a preservar a cultura viva de rua, honrando o Mestre de Cerimônia, o Disk Jockey, o Break, o Graffiti e o chamado à consciência.

Além do núcleo dos cinco elementos, o museu também traz exposições sobre a origem, a estética, o esporte e os movimentos sociais ligados ao hip hop. “Não buscamos contar a história cronológica do hip hop, mas mostrar quem é protagonista dessa história, valorizar o povo de periferia, o povo negro do Rio Grande do Sul”, diz o professor de história e um dos idealizadores do museu, Rafael Mautone Ferreira. 

As visitas são mediadas por uma MC, um DJ, grafiteira, BGirl e uma poetisa da cena local, com oficinas de graffiti e rodas de break. “O museu traz esse protagonismo educador, não é um protagonismo estático do passado, é um protagonismo que coloca sementes para o futuro, do menino e da menina da periferia que vão lá e dizem: esse cara aqui é meu tio, olha a foto da minha mãe, a foto da minha tia, eles estão no museu!”, destaca Rafael.

Imagem: reprodução.

Periferia gaúcha 

O hip hop é uma manifestação cultural e artística que surgiu nos subúrbios de Nova York, nos Estados Unidos, nos anos 1970 e rapidamente se espalhou pelas periferias das cidades ao redor do mundo. No Brasil, sua influência é tão grande que foi reconhecido como manifestação da cultura nacional pelo Decreto 11.784, de 2023.

Em Porto Alegre, o grupo Da Guedes, que completou 30 anos recentemente, é uma referência do rap gaúcho e está com uma exposição especial no museu. Conhecido nacionalmente, o grupo perdeu um de seus integrantes, o DJ Only Jay, para a COVID-19. Rafael Ferreira era coordenador pedagógico da Casa de Cultura Hip Hop de Esteio, cidade metropolitana de Porto Alegre, quando soube do ocorrido. Ele conta como isso mobilizou o movimento que levou à inauguração do museu. 

“O hip hop tinha uma história de 40 anos no Rio Grande do Sul, mas não tinha nada documentado sobre isso. Durante a pandemia, morreu Only Jay e ele foi enterrado em uma vala comum. Aquilo bateu muito forte, percebemos que nossa história estava se perdendo e só nós poderíamos contar essa história”, lembra.

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Protagonismo 

Desde 2018, a Casa de Cultura Hip Hop de Esteio vem fazendo um projeto em parceria com o Ministério do Trabalho no combate ao trabalho infantil, por meio de oficinas de hip hop. Com a notícia da morte de Only Jay, a associação se juntou com o Ministério Público do Rio Grande do Sul e fez um projeto de pesquisa histórica e antropológica sobre o movimento no estado.

“Nós contratamos o Instituto Fidedigna e por conta da pandemia, fizemos vários fóruns online, nas nove regiões do Rio Grande do Sul, para descobrir quem eram os hip hopers do estado, sua história e os elementos, sempre buscando uma equidade de gênero, raça, localização geográfica e faixa etária”, explica Rafael.

Um ano depois, quando a pandemia começou a ser controlada, iniciou-se então a busca do material que hoje compõe o acervo do museu. “Essa história, evidentemente, é de quem se interessou em nos contar. O museu é de base comunitária, não somos um museu europeu que roubou a história dos outros. Continuamos recebendo acervo, porque o hip hop é uma cultura viva.”

O acervo conta com seis mil itens. Cerca de 600 estão expostos ao público. Além das exposições, o museu ainda oferece biblioteca, estúdio, quadra, auditório e horta agroecológica. “O nome da nossa biblioteca é Divilas, em homenagem ao rapper Chiquinho Divilas, de Caxias do Sul. É uma biblioteca focada em literatura étnico-racial e de gênero. O museu do hip hop é isso! Um museu de resistência, decolonial… É um museu que reverte essa história e coloca os excluídos como protagonistas”, defende o professor.

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Pesquisa, mapeamento e celebrações

Segundo Rafael Ferreira, a pesquisa histórica e antropológica fez com que o movimento hip hop gaúcho se articulasse novamente. “Os fóruns online juntaram pessoas que não se falavam mais, pessoas antigas, muitas delas que não estavam mais na prática.” A partir do mapeamento, a Associação de Esteio também entrou em contato com as organizações de cada região e passou a estimular o encontro dessas pessoas no dia de buscar o material do acervo. 

“Fizemos celebrações nas nove regiões do Rio Grande do Sul. Em muitos desses lugares, foi a primeira festa de hip hop pós-pandemia. A gente ia com aqueles carros com bagageiro grande e voltava cheio de doações, de tudo que você possa imaginar, ligado ao hip hop”, conta. 

Com esse material em mãos, a associação buscou parcerias com a prefeitura de Porto Alegre e com o estado do Rio Grande do Sul para arrumar um local que pudesse abrigar o museu. O local encontrado foi a antiga Escola Osvaldo Aranha, que fica na Zona Norte de Porto Alegre. A escola foi fechada pelo estado e retornou para o município em 2017, que a manteve inoperante desde então. 

Assim, em 2021, a prefeitura de Porto Alegre resolve ceder o espaço com o Termo de Permissão de Uso para a Associação de Hip Hop de Esteio, atual gestora do museu. “A prefeitura de Porto Alegre fez um termo de permissão de uso de 20 anos para nós. No entanto, foram cinco anos de abandono. Estava um matagal, um lodo em tudo, quebraram as porcelanas da escola, roubaram a fiação, a quadra estava totalmente destruída… tivemos que fazer um longo processo de revitalização e transformação do espaço para o museu”, recorda-se. 

Museu do Hip Hop RS
Imagem: reprodução.

Museu do Hip Hop RS

A escola foi reformada por meio da Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, junto com o apoio da Tintas Renner, lojas Quero Quero e Nubank. O museu foi inaugurado no dia 10 de dezembro de 2023 com uma grande festa, com batalha de rima, break, show de rap, apresentação de graffiti e DJ. 

Além do atendimento ao público em geral, o museu faz um trabalho especial de oficinas de hip hop com crianças e jovens. “Elas vão dançar, pegar o spray, fazer uma rima, mexer no disco e depois, no final, fazemos uma espécie de apresentação, tanto das pessoas que fizeram uma letra ali na hora, como dos próprios mediadores  e mediadoras… eles fazem uma festa”, conta o professor. 

A iniciativa foi tão bem sucedida que atualmente a Associação de Esteio está escrevendo um livro de como construir um museu de hip hop junto com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A ideia é que outros estados tenham seus próprios museus. “Nós entendemos que o hip hop tem uma estratégia de educação, através da sua ética e estética. Ou como se fala na rua, tem um proceder. Então partimos dos seus pilares, que são paz, união, amor e diversão consciente, para fortalecer a cultura popular das periferias”, afirma Rafael. 

Museu do Hip Hop RS
Imagem: reprodução.

Quer participar do Museu do Hip Hop RS?

Atualmente, o patrocinador oficial do Museu do Hip Hop RS é a Petrobras Cultural e lançou recentemente cinco editais para integrar a sua programação. A convocatória abrange exposições museológicas, eventos esportivos, escritores e escritoras, eventos culturais, produção e gravação

Além disso, está disponível um formulário para recebimento de outras propostas, para que o museu receba em seu espaço projetos de atividades autogestionadas com financiamento próprio. Para saber mais, visite o Linktree do museu ou siga as redes sociais no Instagram e Facebook.  

Endereço

O Museu do Hip Hop RS fica na Rua Parque dos Nativos, 454, Vila Ipiranga, Porto Alegre. O espaço fica aberto para visitação livre ou guiada de quarta-feira a domingo, das 9h às 12h e das 14h às 17h. A visitação é gratuita.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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