Instituto de Estudos Amazônicos capacita populações extrativistas para participarem do mercado de carbono

ONG foi fundada na década de 1980 para apoiar as populações locais pela conservação da floresta e hoje promove oficinas de REDD+ aos moradores

21.03.24

O Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) é uma das ONGs mais antigas do Brasil. Criada em 1986 para apoiar Chico Mendes e os seringueiros do Acre na luta pela conservação da floresta, foi responsável pela implementação da ideia de Reserva Extrativista no Brasil. E hoje atua, principalmente, com a capacitação dessas populações para que possam participar com segurança do mercado de carbono.

A antropóloga Mary Allegretti foi quem esteve à frente da ONG todos esses anos. Pesquisadora e ativista, ela foi professora da Universidade Federal do Paraná e largou a docência para fazer a primeira escola de alfabetização de seringueiros no Acre, ao lado de Chico Mendes. “Desde então não me afastei mais, é uma causa permanente”, diz com entusiasmo.

Por isso, faz questão de enfatizar que o IEA é uma instituição técnica que sempre trabalhou em parceria com o movimento social. “É uma parceria de iguais, com um diálogo recorrente. Nós participamos das discussões com o movimento, atendemos demandas ou apresentamos propostas, como é o caso do carbono”, afirma. 

Capacitação das populações extrativistas

A capacitação dos moradores das Resex tem sido feita por meio de oficinas sobre mudança do clima, papel das comunidades tradicionais e a Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Ambiental, mais conhecida pela sigla REDD+. As oficinas são feitas em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e visam aprofundar o trabalho de organização das populações. 

“Fortalecemos os debates e análises sobre o mercado de carbono para que as comunidades tenham plena consciência das obrigações e dos riscos e estejam capacitadas para a gestão do projeto. E isso é super importante, porque as famílias podem se organizar para outras modalidades de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) que o próprio governo está buscando desenvolver, bem como as empresas”, esclarece Allegretti.

O IEA realiza as oficinas com apoio de ONGs como Environmental Defense Fund e o Instituto Clima e Sociedade. Até o momento, já foram realizadas seis oficinas, onde foram capacitadas mais de 450 pessoas, entre homens, mulheres e jovens, no Pará, Acre e Amapá. Espera-se que, ao final dessa etapa, as comunidades possam elaborar e fazer a gestão de um projeto de carbono adequado às suas expectativas. Por isso, afirma Allegretti, as populações precisam estar bem informadas sobre sua participação no projeto e tudo que envolve. 

Imagem: reprodução.

Mercado de carbono

Existem dois tipos de modelos de negócio envolvendo o mercado de carbono. O jurisdicional, em que é possível ter um arranjo diferenciado, com a remuneração pelo estoque de carbono, ou seja, que valoriza a floresta em pé. Esse modelo é feito geralmente em parceria com os governos dos estados. E há o modelo de mercado voluntário, que é mais adotado, pois remunera aquilo que deixou de ser derrubado. 

Em ambos os modelos, há a possibilidade dos projetos envolverem investimentos em infraestrutura, como comunicação e saneamento e a repartição de benefícios. Ainda não é possível, no entanto, fazer estimativas da quantidade de créditos que podem ser negociados nos territórios onde estão sendo feitas as oficinas do IEA. 

Antes, explica Allegretti, é preciso definir o tipo de modelo de negócio que será adotado. E essa definição depende da combinação entre a questão do desmatamento evitado, do valor agregado da biodiversidade e da restauração florestal. “Em uma área como a Reserva Chico Mendes, que sofre muita pressão de desmatamento, o valor do crédito aumenta, mas na Resex Cazumbá-Iracema, que também será um piloto e é uma Resex menor, com pouco desmatamento e uma comunidade bem coesa, ali vai ser um volume menor de créditos, porque o mercado, ironicamente, não valoriza o estoque de floresta que existe”, diz.

As oficinas de REDD+

Segundo Allegretti, a coordenação do projeto já foi formalizada com três associações concessionárias das Resex, mais três sindicatos,  duas cooperativas, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas e o Instituto de Estudos Amazônicos. Cabe à coordenação fazer desde a elaboração da metodologia para a construção do projeto até a identificação dessas etapas.

“É preciso demonstrar muito bem os elementos no projeto e mostrar que a comunidade sabe o que poderá ser comercializado, porque a grande crítica que existe aos projetos de carbono é a falta de transparência e a falta de bases sólidas de dados. O crédito não é consistente se não for gerado mediante estudos técnicos bem definidos”, diz a antropóloga. 

“Temos que fazer cada etapa com muita segurança para desenvolver um piloto demonstrativo que seja respeitado. Com isso, nós rompemos com essa visão de que o REDD é um projeto que só traz dificuldades para as comunidades. Nós temos a convicção de que pode trazer bons benefícios e que as comunidades têm condições de executar”, defende.

Mary Allegretti e Chico Mendes. Imagem: reprodução.

Riscos e benefícios 

Mary Allegretti conta que já existem alguns projetos de carbono sendo executados na Amazônia com bons resultados. Há, no entanto, um caso que está sob judice porque usou uma área de uma Resex, não envolveu as famílias, comercializou os créditos e não distribuiu os benefícios. 

Ela lembra que empresários do Sul e Sudeste do Brasil compraram enormes áreas na Amazônia nos anos 1970 e hoje, com o mercado de carbono, perceberam que havia uma oportunidade de negócio nas áreas que não foram desmatadas e isso tem gerado conflitos. “Em alguns casos, famílias de posseiros permaneceram nessas áreas e agora, com a valorização do carbono, os empresários estão pressionando para que elas saiam, para poder comercializar os créditos em toda a área. Então tem conflitos e é importante que haja a regulamentação dos posseiros, assim como do mercado”, explica. 

Os conflitos internos, em especial, são os maiores riscos neste tipo de projeto. Por isso, o entendimento das populações extrativistas sobre os riscos e benefícios dos projetos de carbono é central para garantir o sucesso do negócio. As oficinas visam justamente fortalecer esse processo de consolidação, aprendizado e gestão dentro das Resex, porque é um projeto que envolve toda a comunidade. 

“São muitas famílias e elas devem assumir o compromisso de não desmatar, mas nem sempre isso acontece. Pode surgir uma emergência ou mesmo a percepção de que a renda é melhor com a pecuária ou abrindo um roçado para fazer um plantio. Então é preciso conhecer bem todas as famílias, antecipar possíveis conflitos e desentendimentos”, alerta.

Instituto de Estudos Amazônicos

A ideia de Reserva Extrativista foi extremamente inovadora quando foi proposta pelo IEA, nos anos 1980. Até então, havia um consenso internacional entre cientistas e tomadores de decisão de que a melhor maneira de preservar o meio ambiente era mantendo as áreas de natureza livres de habitantes. O conceito de Resex rompeu com esse paradigma. 

“Nós transformamos a ideia dos líderes seringueiros e, principalmente, de Chico Mendes, que era manter a floresta em pé com eles dentro. Então era preciso encontrar uma solução fundiária para a situação em que eles viviam, já que eram posseiros… Nós conseguimos organizar esse conceito de Resex do ponto de vista institucional e jurídico e hoje há 25 milhões de hectares protegidos para comunidades tradicionais”, orgulha-se a fundadora do IEA. 

O instituto ficou inativo por 20 anos e voltou a funcionar recentemente. “As reservas passaram a ter muitas pressões e a sofrer com a ausência do governo, porque nos anos anteriores, de alguma maneira, o governo investia em políticas públicas. Depois, parou e a situação ficou crítica. Então nos sentimos responsáveis para voltar a trabalhar”, explica Allegretti.

Ela acredita que os créditos de carbono podem ser uma fonte de renda significativa, capaz de mudar a qualidade de vida nas Resex. “Dizem que o mercado de carbono é complicado, com muitos riscos. Aí lembro quando criamos as Reservas Extrativistas… as pessoas diziam que não ia dar certo, que os moradores eram posseiros, eles não iam querer viver em comunidade. Mas deu certo. Conseguimos um modelo que funciona até hoje, ninguém quer sair da Resex”, finaliza. 

Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

O IEA possui dois escritórios, um em Curitiba (PR) e outro em Rio Branco (AC) e aceita voluntários, tanto para realizar estudos especializados, em parceria com universidades, quanto para a realização de trabalhos administrativos. Para saber mais, visite o site ou siga as redes sociais no Linkedin e Instagram.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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