Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu é fundado em Salvador

Preservação da memória deve fortalecer o legado familiar de resistência que inclui as ações do bloco Ilê Aiyê

01.03.23

Mãe Hilda Jitolu é uma personalidade importante no movimento negro nacional. Nascida em 1923, é filha de brasileiros negros nascidos durante o período escravista do país. Ela se muda para o bairro do Curuzu, em Salvador, ainda criança, onde permanece até sua morte, aos 86 anos de idade, em 2009.  

Sua trajetória de luta pela igualdade racial e social começa através do Candomblé, religião de matriz africana onde se inicia aos 19 anos por motivos de saúde. Em 1952, com apenas 29 anos, funda o terreiro Acé Jitolu no espaço de sua casa, assumindo o cargo de maior poder na hierarquia do candomblé. A partir de então, começa um amplo trabalho cultural que propicia a formação do primeiro bloco afro da Bahia, o Ilê Aiyê.

Defensora dos direitos humanos, ela sempre fez questão de promover em sua casa e seu terreiro a beleza e o respeito às populações negras, conta Valéria Lima, fundadora do Instituto. “Foi ela quem ofereceu aos seus filhos uma educação emancipadora e antirracista, ambiente que levou à criação do bloco Ilê Aiyê”, lembra.

Mãe Hilda Jitolu. Imagem: Reprodução @institutomaehildajitolu

O Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu é criado para reforçar esse legado de luta e se apoia sobre dois pilares: a preservação da memória de mulheres negras e a geração de renda. “A ideia é que a gente ofereça formação para mulheres, para que elas possam se profissionalizar em algumas áreas. Estamos focadas inicialmente nas artes manuais, valorização do artesanato. Queremos que essas mulheres aprendam um ofício que garanta autonomia financeira. O espaço também será de acolhimento para as mulheres que precisarem de um refúgio por algum motivo”, explica Valéria.

Educação, resistência e combate ao racismo

O bairro do Curuzu, onde funciona o terreiro Acé Jitolu, fica na periferia de Salvador. Antigamente, fazia parte da Liberdade, que já foi considerado pelo IBGE o bairro mais negro da cidade. O bloco Ilê Aiyê surge nesse cenário, no final dos anos 1970, composto exclusivamente por homens negros. “Naquele período, as populações negras não podiam participar dos blocos de Carnaval da Bahia, a não ser como trabalhadores. O momento era de Ditadura Militar. Mesmo assim, os filhos de Mãe Hilda e outros homens do terreiro resolveram que era chegada hora de colocar seu próprio bloco na rua”, conta Valéria. 

Mãe Hilda deu todo apoio enquanto líder religiosa para que o bloco saísse e não fosse criminalizado. “Até hoje o bloco é formado apenas por homens e mulheres negras, e deve continuar assim enquanto houver racismo no Brasil”, afirma Valéria. 

Segundo Valéria, o bloco Ilê Aiyê iniciou suas atividades sociais inspirados por Mãe Hilda, após ela fundar uma escola infantil no próprio terreiro, no final dos anos 1980. “Naquela época, o poder público oferecia acesso à educação pública somente a partir dos 7 anos de idade. Mãe Hilda nunca frequentou a escola, ela aprendeu a assinar seu nome tardiamente e ficava inconformada de ver as crianças soltas na rua. Por isso resolveu abrir as portas do terreiro para essas crianças, ensinar quem não tinha acesso à educação”, explica Valéria. 

Dete Lima faz os figurinos do Ilê Aiyê. Imagem: Maiara Cerqueira.

“O Ilê também se formou para sair no Carnaval no terreiro. Já funcionava como sede do bloco quando Mãe Hilda abriu a escola. Foi a partir daí que o Ilê começou a fazer as ações sociais, aproveitava o contra fluxo das crianças para oferecer projetos de extensão pedagógica”, recorda Valéria, que também é neta de Mãe Hilda e registrou todo legado da família em sua dissertação de mestrado. “Minha mãe faz os figurinos do Ilê, isso também faz parte da minha história familiar. Eu sou a terceira geração de mulheres negras que atua com o movimento”, conta. 

Nesse processo, o Ilê se transformou em associação cultural e passou a promover a cidadania entre crianças e jovens através de projetos sociais fundamentados na dança, na música e nas roupas, que remetem à ancestralidade africana. Foi para preservar a memória de Mãe Hilda Jitolu e fortalecer esse legado de resistência e combate ao racismo que Valéria Lima fundou o Instituto, explica. 

Feminismo negro e atuação de base 

A ideia de criar o Instituto da Mulher Negra Mãe Hilda Jitolu surgiu durante a pandemia. “Em junho de 2020, quando estava tudo parado, o mundo se revendo, se reencontrando, me veio essa questão muito forte: o que eu poderia fazer para contribuir com outras mulheres negras? Fui falar com minha irmã, que é trancista como eu, com minha mãe e elas apoiaram”, lembra Valéria. A sede do Instituto fica no terreiro Acé Jitolu e conta com a participação de cerca de 20 pessoas da comunidade.  

Para ela, o Instituto é sua forma de contribuir com a sociedade. Formada em Jornalismo com Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos, Valéria Lima faz parte da primeira geração da família a cursar o ensino superior e diz que sentiu necessidade de retribuir tudo que a vida lhe proporcionou ao longo de sua trajetória pessoal. Neta de Mãe Hilda, ela escreveu sobre sua biografia durante o mestrado, finalizado em 2014. Valéria também trabalhou durante 12 anos na TV pública da Bahia, foi editora do Portal Correio Nagô e diretora de Comunicação do Instituto Mídia Étnica.

As irmãs Valéria (à esquerda) e Catarina Lima, fundadoras do Instituto Mãe Hilda Jitolu.

O fato de ser um instituto voltado para a mulher tem razões históricas. “Por muito tempo eu estudei as feministas negras, Luiza Bairros, autoras americanas como Ângela Davis, e eu tenho a necessidade de trabalhar a prática do instituto dentro dessa perspectiva negra e feminista. Porque por mais que a mulher sempre tenha tido um protagonismo dentro da história do Ilê, estamos falando de uma organização gerida exclusivamente por homens. E apesar de serem homens negros, as diferenças de gênero vão sempre existir. Não é à toa que existe o feminismo negro”, diz Valéria.

O centenário de Mãe Hilda e a fundação do Instituto

O Instituto foi fundado em outubro de 2022. O lançamento oficial, porém, ocorreu somente no dia 6 de janeiro de 2023, durante a celebração do centenário de Mãe Hilda, em um evento histórico no terreiro Acé Jitolu, onde funciona a sede do Instituto. Contando com apoio da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia e a presença de artistas e políticos, o evento foi noticiado em diversos jornais locais e nacionais.

O Instituto ganhou recursos de um edital público para reforma da sede. Também recebeu doação do fotógrafo Robério Braga, que converteu 50% das vendas do seu livro “Tranças Barrocas”. O livro é fruto de uma pesquisa sobre a tradição milenar dos penteados de trança, que começa a partir de registros e da observação nas cidades de Cachoeira e em Salvador, nos bairros do Curuzu, Pelourinho e Ribeira. A doação será usada para realizar oficinas. O Instituto ainda lançou um selo comemorativo de Mãe Hilda feito pelo artista plástico baiano Wilton Bernardo. 

Comemoração do centenário de Mãe Hilda. Imagem: Reprodução Maiara Cerqueira.

“Agora nós estamos em um momento de captação de novos recursos. Estou fazendo reuniões com diversas organizações para de fato ter condições de iniciar nossos trabalhos”, diz Valéria. O trabalho é longo! “Infelizmente ainda precisamos conscientizar, lutar muito contra o racismo. E nós vemos que cada geração da nossa família aprendeu a combater o racismo de uma maneira diferente. O Ilê fez isso com a música, através da dança, dos figurinos, de todo movimento. O que o Instituto faz hoje nesta terceira geração é trazer mulheres para que elas possam aprender ofícios, para que elas possam trabalhar. E também para ter aulas de cidadania, interagir, ter um espaço de acolhimento para se fortalecer e continuar combatendo esse racismo nosso de cada dia”, avisa Valéria.  

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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