Seja Democracia mostra que formação política é fundamental para a defesa de direitos

Processos políticos democráticos precisam ser constantemente defendidos e fortalecidos por uma sociedade mais justa e igualitária.

26.07.23

Seja Democracia é um programa de formação política voltado para lideranças jovens da periferia, em especial para a juventude negra. O programa, que pertence à Uniperiferias, surgiu pela defesa dos direitos no contexto do impeachment da Presidenta Dilma, quando vários retrocessos sociais começaram a apontar, junto com o avanço de uma narrativa e uma ação de extrema-direita no país.  

“Começamos a perceber que era fundamental retomar a formação política de base, que fosse capaz de interpretar a realidade brasileira, e a partir disso, organizar as energias nas periferias para ações políticas de mobilização, convencimento e combate a fake news a partir das demandas locais”, conta o coordenador nacional do Seja Democracia, Cleber Ribeiro.

Assim começaram movimentos locais para viabilizar cursinhos comunitários pré-vestibular, pela distribuição de cesta básica e pelo enfrentamento à COVID-19,  além da formação de coletivos de mulheres negras e associações de moradores. No período das eleições de 2022, também foram promovidos espaços de debate para candidaturas progressistas nas periferias.

“Agora estamos em um momento desafiador, porque existe essa ilusão de que eleger um governo de esquerda é suficiente para defender a democracia. Acreditamos que garantir o Estado de Direito passa por uma luta constante. Então precisamos avançar, não dá para voltar com a normalidade de uma democracia neoliberal”, avisa Cleber.

Cléber Ribeiro é professor de geografia e coordenador do Seja Democracia. Imagem: reprodução.

Posicionamento político e direitos

Segundo Cleber Ribeiro, as formações focam na juventude negra periférica. A maioria possui entre 20 e 35 anos, mas não há um critério de exclusão. Ou seja, a formação pode ser feita por qualquer pessoa, de qualquer etnia, raça, gênero ou idade. O importante é ter comprometimento pela causa.

Às vezes, diz Cleber, “chegam pessoas que estão com interesses opostos, e ao longo do processo muitas optam por não continuar, por conta desse entendimento do que significa defender a democracia a partir da luta por direitos da periferia.”

Ele também destaca que o Seja Democracia possui um posicionamento político alinhado com ideias progressistas de esquerda, sem ser partidário. “Não temos vínculo institucional com partidos. Entendemos a importância dos partidos, mas esse não é o lugar que a gente ocupa. Aqui formamos pessoas que querem fazer alguma coisa ligada ao bem-estar coletivo em seu território, mas não sabem como”, explica. 

Para Cleber, existe uma confusão sobre posicionamentos políticos no Brasil que está ligada à nossa própria constituição enquanto sociedade. Por isso, ressalta, o debate político precisa ser feito em todas as instâncias. 

“O curso de formação política nos ajuda a entender quais são os princípios da democracia, da luta antirracista, antimachista e antipatrimonialista, para que a periferia se fortaleça com essas ideias e apareça cada vez mais como um território de direitos nas agendas políticas”, aponta Cleber. 

defesa da democracia
Jovens do Seja Democracia. Imagem: reprodução.

Pandemia e combate às fake news 

A primeira turma de formação política foi aberta em 2019, no Rio de Janeiro. Durante dois meses, por meio de encontros semanais, professores apresentaram conceitos teóricos, explicando sobre democracia, racismo estrutural, patrimonialismo, patriarcado, entre outros temas. O objetivo era pensar, junto com os jovens, como os retrocessos sociais poderiam ser combatidos em seus próprios territórios periféricos, e as maneiras para se organizar e agir.

As formações expandiram rapidamente para outros locais, a começar por Belo Horizonte, em Minas Gerais, depois São Paulo, Bahia, Pernambuco, Maranhão e outros estados. Nesse processo, a frente conseguiu parceria com a Open Society, instituição internacional de defesa da democracia. No contexto da COVID-19, também passaram a abrir turmas no meio digital e, hoje, somam mais de 300 núcleos de formação política espalhados por todas as regiões do país. 

De lá para cá, já foram formadas cerca de três mil pessoas em cursos de seis meses de duração.  Além disso, os responsáveis pelo programa publicaram o Mapa de Formação Política, um  documento em PDF gratuito sobre democracia para qualquer pessoa acessar. E vão lançar em breve o e-book “Como as Periferias Defendem a Democracia”, com 12 experiências promovidas durante as eleições para se inspirar.

Conheça a trajetória de Eisla Vyncent, que fez o curso de formação política do Seja Democracia e hoje é uma ativista juvenil.

Defesa da democracia

A formação política de base deve ser contínua, defende Cleber. Por isso, os coordenadores dos núcleos do Seja Democracia estão sempre atentos às necessidades locais para estimular novas formações. “É preciso dialogar com essas demandas para incentivar, disseminar e expandir as ações”, diz ele. 

Entre as demandas mais populares estão acesso à educação; fortalecimento da cultura, como, por exemplo, incentivo aos grupos de hip-hop; ocupação de espaços públicos, por meio de revitalização de parques e praças; incentivo à comunicação nas periferias, como rádios comunitárias e produção de conteúdo nas redes sociais; e principalmente, acesso à alimentação.

Há ainda a demanda do empreendedorismo: o núcleo na Paraíba, por exemplo, trabalha essa questão com as rendeiras locais. “O princípio que nos orienta é o fortalecimento da democracia, que é algo que poderia ser muito abstrato, mas que tem materialidade a partir dos corpos e da luta nos territórios pela defesa de direitos”, ressalta.

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Imagem: reprodução.

Movimento de base e formação política

O Seja Democracia surge em um contexto histórico no Brasil que é atravessado pelo enfraquecimento dos movimentos sociais. Desde o fim da ditadura militar, vários movimentos sociais se tornaram significativos no país, como o movimento camponês, as comunidades eclesiais de base e outros. “Paulo Freire está muito associado a essas comunidades, que formaram um grupo de pessoas no letramento político, a partir da alfabetização”, conta Cleber. 

Os movimentos por direito à terra e à dignidade no campo foram aumentando e migrando para a cidade, com o processo de urbanização e industrialização do país,  principalmente no Sudeste, onde surgem os primeiros movimentos por moradia. Havia ainda um movimento sindicalista atuante, pensando a produção do comum a partir da experiência do operariado e do assalariado, continua o professor. 

“Esses movimentos funcionavam como espaço de formação política, porém foram enfraquecendo ao longo dos anos 1990 e 2000. A organização de associações de moradores, no espaço urbano, também foi esvaziada nesse processo. E a formação política ficou concentrada nos partidos”, explica.  

O Seja Democracia, diz Cleber,  ocupa esse lugar de fortalecer a formação política junto com vários outros movimentos das periferias: “não queremos substituir ou negar que existam os partidos ou que ali também há uma produção política importante”, esclarece.   

Juventude periférica: intelectual e ativista 

Muitas pessoas que passam pelo Seja Democracia demonstram a vontade de participar da política partidária. Quando isso acontece, segundo Cleber, eles estimulam a filiação na esquerda, porque são os espaços de disputas possíveis, mas não indicam qualquer partido para se filiar.

Este ano, a expectativa é que um grupo desses jovens dispute as vagas do Conselho Tutelar e dos Conselhos Municipais. Também já existe um grupo ativista nos territórios. “Somos uma instituição de pessoas oriundas de territórios periféricos, que moram ou que já saíram dos territórios, mas que têm toda a formação afetiva e subjetiva a partir da periferia”, explica.

Para ele, o Seja Democracia surge para reforçar que na periferia não é possível fazer nada sozinho: “Nosso movimento, assim como outros, o Perifa Connect, Jacalab, Perifalab, vem mostrando que os jovens nas periferias estão, de fato, movimentando esse outro lugar do ativismo. Nas periferias, a gente está sempre no coletivo, não é por uma opção, é por uma condição. Não tem outro meio…”, finaliza o professor.

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Integrantes da Uniperiferias e do Seja Democracia. Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

O Seja Democracia faz parte do Instituto Maria e João Aleixo, ao lado da Uniperiferias e da Revista Periferias, que já falamos por aqui. E conta com o apoio de organizações por meio de parcerias e editais, mas também depende fortemente de doações. 

Sobre as doações, Cleber diz que “essa temática de defender a democracia ainda é algo muito novo, então temos um grande desafio no país: mostrar para o voluntariado e para as pessoas que têm sensibilidade social e podem fazer doações que um movimento como esse é fundamental, não só para as periferias, mas para um projeto de sociedade brasileira mais potente.”#ficaadica  

As doações podem ser feitas no site do Seja Democracia.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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