Coletivo defende os direitos das mulheres imigrantes em São Paulo

Conheça a Equipe de Base Warmis Convergência de Culturas e suas frentes de atuação

29.03.23

Warmis significa mulheres em quéchua, língua nativa dos povos andinos. O nome ancestral dá vida ao coletivo de mulheres imigrantes que se articularam a partir do movimento humanista, em São Paulo, em 2013. 

“O movimento humanista surgiu com o escritor argentino Mario Rodrigues Luís Cobos, mais conhecido como Silo, em 1969. O movimento tem um papel muito importante na América Latina na luta contra a violência e qualquer tipo de discriminação, a partir de um olhar que se concentra no próprio ser humano. É preciso que o indivíduo se transforme primeiro para depois transformar a sociedade na busca pela pacificação”, explica Sandra Morales, integrante da Warmis. 

Inicialmente, o objetivo era agrupar mulheres bolivianas que viviam em São Paulo. “Mas quando as fundadoras, Jobana Moya, imigrante boliviana, e Andrea Carabantes, imigrante chilena, começaram a fazer a equipe de base, descobriram que outras mulheres de diferentes nacionalidades atravessavam as mesmas dificuldades. Tinha também as filhas das imigrantes. Por isso, abriram a possibilidade do coletivo ser composto por um grupo mais amplo”, diz Sandra. 

O coletivo, portanto, é composto por qualquer mulher imigrante ou filha de imigrante. Hoje, participam da Warmis mulheres da Bolívia, Peru, Costa Rica, Estados Unidos, Chile, Colômbia e Argentina. O número de integrantes é flutuante. “Às vezes temos mais, outras menos. Já tivemos mais de 15 mulheres no coletivo, este ano somos apenas nove. Não é algo rígido, porque é um coletivo, e porque tem muitas mulheres que voltam para seus países de origem, passam a participar de outros coletivos, etc.”, conta. O coletivo também inclui mulheres brasileiras.

Imagem: reprodução Warmis.

Equipe de base

Ao contrário de outros coletivos, que com o passar dos anos tendem a se profissionalizar, a Warmis se mantém como coletivo justamente por conta do movimento humanista. “O objetivo é continuar trabalhando como mulheres voluntárias e fazer trabalho de base. Não são objetivos institucionais, não visa a se transformar em ONG e nem fazer assistencialismo”, diz Sandra Morales, integrante do coletivo. 

Segundo Sandra, as histórias de migração são diversas. Muitas mulheres vêm para estudar, outras vêm para visitar e acabam ficando por alguma razão. Há mulheres que migram por causa de casamentos com brasileiros e outras que vêm em busca de melhores oportunidades de trabalho. Ou ainda por causa de guerras e crises políticas, “como acontece, por exemplo, com as mulheres imigrantes venezuelanas. Elas têm dificuldades para voltar ao país, ou mesmo para enviar dinheiro para os que ficaram, já que a situação política de lá é muito complexa”, diz.

As mulheres da Warmis se reúnem todas as quintas-feiras. Ao se reunirem, primeiro, fazem um trabalho individual, onde cada mulher faz uma avaliação de como foi a semana. Depois, fazendo uso das ferramentas do movimento humanista, buscam refletir sobre suas atitudes, identificar preconceitos e microviolências ou analisar questões sociais do mundo atual. Somente após essas atividades, questões administrativas são discutidas: as ações do mês, os convites recebidos para participar de eventos, a divisão de responsabilidades, etc.

Coletivo Warmis
As integrantes da Warmis, Sandra Morales (à esquerda) e Jobana Moya. O coletivo foi homenageado pelo Consulado da Bolívia. Imagem: reprodução Warmis.

“É importante dizer que atuamos defendendo o direito dos imigrantes de modo geral. Tentamos focar nas mulheres, mas os problemas relacionados à migração atingem a todos, homens, crianças, então acabamos atuando nesse sentido também”, avisa Sandra.

Violência obstétrica e atividades culturais

Atualmente, o coletivo atua em cinco frentes de ação: a frente de saúde da mulher imigrante, em que elas fazem campanhas contra violência obstétrica. “Muitas imigrantes, especialmente as indígenas, que vem da Bolívia, Peru e norte do Chile, que são Quéchuas e Aymaras, têm práticas de saúde diferentes da medicina ocidental. E os profissionais de saúde atendem com um olhar preconceituoso, questionam o uso de ervas, dizem que aqui no Brasil não é assim, que é preciso tomar apenas medicamentos prescritos pelos médicos”, diz Sandra.

Tem também a frente de economia solidária, em que divulgam o trabalho das mulheres imigrantes em todas as redes do coletivo. Tem ainda o grupo de estudo, onde se reúnem para ler autoras mulheres da América Latina ou do Sul Global. O grupo é aberto para qualquer mulher imigrante ou filha de imigrante, não precisa ser do coletivo para participar. Para estes estudos, se reúnem uma vez por mês. 

E tem as atividades culturais: a Warmis mantém o grupo musical Lakitas, que é aberto a qualquer mulher imigrante para tocar música andina feita com o instrumento de sopro. “As Lakitas começaram com uma verba da prefeitura, que usamos para comprar os instrumentos, os figurinos, fizemos viagens de estudo etc. Já não temos mais esse apoio, então quando nos convidam para tocar, algumas organizações nos oferecem uma ajuda de custo. O objetivo não é lucrar, a ajuda financeira é bem-vinda, mas não é um condicionante”, diz Sandra.

Cinco integrantes da Warmis também publicaram livros infantis com histórias de imigração. Os livros são sobre temas relacionados à diversidade cultural e também trazem denúncias contra o preconceito. “Um dos livros, por exemplo, é sobre uma menina que é proibida de falar em espanhol na escola, a professora dela não deixa”, lembra Sandra.

Por fim, o coletivo tem uma parceria com o Centro Cultural São Paulo (CCSP), onde fazem apresentações, rodas de conversa e oficinas uma vez por mês sobre temas relacionados a imigração. Além disso, os ensaios das Lakitas são sempre feitos no CCSP. 

Pelo fim da discriminação 

Em São Paulo, vivem cerca de 370 mil imigrantes. A maior parte composta por bolivianos, seguidos de chineses, haitianos e peruanos. As políticas de imigração se fortaleceram a partir de 2017, com a edição da Lei de Migração. Para Sandra Morales, porém, “ainda que o Brasil seja um país acolhedor, muito pouco se faz na prática, os imigrantes vêm sempre por último quando se fala de políticas para minorias.”

Como resultado, restam poucas possibilidades para a inserção no mercado de trabalho e o acesso aos serviços públicos, como saúde e educação, é dificultado. “Outro problema é a falta de acesso à documentação, que ainda é cara, difícil e demorada para conseguir. Se você não tem documentação, não consegue um emprego. Por isso ainda vemos muitos imigrantes com formação universitária ocupando as ruas de São Paulo como vendedores ambulantes”, diz.  

Coletivo Warmis
Imagem: reprodução Warmis.

Para Sandra, as mulheres são as que mais sofrem com os problemas de imigração porque muitas são mães solo, que precisam trabalhar, deixar os filhos na creche ou na escola, e não conseguem. “Essa mãe não escolheu ser solo, isso acontece por vários motivos: separação, divórcio, ficou viúva, foi abandonada, e ela precisa assumir as responsabilidades da família sozinha”, diz. Em muitos países estrangeiros há leis machistas que forçam as mães a migrarem, lembra Sandra. 

Ela também chama atenção para as filhas das imigrantes: “as meninas, filhas de imigrantes que nasceram no Brasil e falam português perfeito, também sofrem preconceito. Já escutei relatos de que na escola e outros ambientes, perguntam por que elas vivem aqui, pedem para que elas voltem para o país de origem dos pais. E quando essas meninas chegam na juventude, elas buscam espaços onde se sintam seguras e acolhidas. Então chegam muitas jovens nas Lakitas, nos grupos de voluntárias e no grupo de estudos”, explica.

“Além de todo preconceito, muitas jovens relatam que não se sentem nem do Brasil, nem do país dos pais. Elas nasceram no Brasil, então dizem que não são de outro país, porque cresceram aqui, mas em casa, são educadas na cultura dos pais, aí fica essa dúvida de onde elas são de fato”, diz.

Resgate cultural, voluntariado e solidariedade

Por causa do nome em quéchua, imagina-se que o coletivo Warmis é apenas de mulheres bolivianas. “Mas nós estamos abertas a todas as mulheres imigrantes, não apenas latinas”, avisa Sandra.  O coletivo Warmis realiza parcerias com outros grupos de imigrantes da cidade, como Milbi e Si yo puedo  e tem sido reconhecido em São Paulo pela sua atuação na defesa dos direitos das mulheres imigrantes. 

“Outro dia estava no teatro e uma mulher veio me agradecer dizendo que se não fosse pela Warmis, ela não teria se reconectado com a cultura dela. Era uma mulher boliviana, que disse ter deixado seu país querendo esquecer tudo. Mas depois de conhecer o trabalho da Warmis, começou a se identificar de novo com sua cultura, e também como mulher imigrante que mora em São Paulo. Eu fiquei surpresa, porque é um retorno muito sensível, difícil de mensurar”, lembra Sandra.   

Apresentação das Lakitas. Imagem: reprodução Warmis.

Sandra Morales é peruana, de origem indígena quéchua. Ela conta que se mudou para o Brasil acompanhando o marido, que foi convidado para trabalhar no país. Ambos possuem formação universitária e são pós-graduados. Ela é psicóloga e ele, engenheiro. A alta qualificação, no entanto, não evita a discriminação. “Ainda tem muito preconceito com a mulher boliviana, chilena, peruana… dizem que somos sujas, desordenadas, ladras, acham que não somos profissionais qualificados, lutamos muito contra o preconceito”, diz Sandra. 

Ela participa da Warmis há quatro anos. “Minha primeira atuação política em São Paulo foi no bairro. O parque da Aclimação estava em total abandono e formei um grupo com vários pais e mães para lutar pela recuperação do parque. Depois comecei a participar de conselhos na cidade. Nesse momento, também conheci a Warmis”.

Ela e seu marido chegaram em São Paulo em 2013 com o plano inicial de ficarem apenas dois anos, tempo que duraria o contrato de trabalho. O tempo de trabalho foi aumentando e eles foram ficando. A filha, lembra, nasceu no Brasil. Nos últimos anos, porém, houve uma crise política no Peru, adiando os planos de retorno. “Eu vim porque meu marido foi convidado para trabalhar no Brasil, foi uma imigração tranquila, mas a crise política no Peru se aprofundou e ficou difícil voltar agora”, finaliza Sandra.

Quer apoiar essa causa?

Entre no site: warmis.org

E siga as redes da Warmis no Facebook e Instagram.

Aviso aos leitores: a produção do Lupa do Bem tem focado em pautas sobre direitos e empoderamento da mulher durante todo mês de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.

    Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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