Abril azul: Associação Aquarela é referência em autismo em Erechim (RS)

Falta de informação ainda é maior barreira para o diagnóstico; autismo não tem cura e acompanhamento adequado é fundamental para garantir qualidade de vida

04.04.24

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1% da população mundial é autista. No Brasil, ainda não há pesquisas consistentes sobre o tema, e as estatísticas tomam como referência os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Segundo o último relatório do CDC, uma a cada 36 crianças de 8 anos tinha autismo em 2023. 

O CDC vem analisando a prevalência do transtorno há mais de duas décadas e indica que houve um aumento de quase 180% nos casos desde os anos 2000. Esse número tem acendido um alerta sobre a situação em todo mundo. Especialistas defendem, no entanto, que é a popularização das informações sobre autismo que tem levado ao maior número de diagnósticos. 

A coordenadora pedagógica da Aquarela Associação Pró Autista, de Erechim (RS), Naiara Soccol, vem percebendo isso na prática. Atuando há anos com acompanhamento de crianças, jovens e adultos com autismo, ela diz ouvir com frequência que há uma epidemia de autismo em Erechim devido ao aumento dos diagnósticos nos últimos anos. 

“Eu costumo dizer ‘que bom, isso é sinal que a informação está chegando’. Muitas vezes, a pessoa ficou anos enclausurada com essas dificuldades de vivência e agora sabe o porquê.” Ela reforça que autismo não é doença e que a maneira como é feito o acompanhamento é fundamental para garantir a qualidade de vida das pessoas com o transtorno. “Quanto antes o diagnóstico for fechado e as intervenções e terapias acontecerem, mais fácil a autorregulação cognitiva dessa pessoa e a interação dela no mundo”, explica.

Transtorno do Espectro Autista

Atraso na fala, caminhar na ponta dos pés, falta do contato visual, enfileirar ou empilhar os brinquedos, gostar de movimentos repetitivos, hiperfoco, seletividade alimentar, hipersensibilidade sensorial. Esses são alguns dos sintomas que levam ao diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em crianças.

“Tem crianças que gostam do movimento do ventilador ou da rodinha. Qualquer coisa que gire chama muita atenção, ou então luzes que piscam, tudo isso causa um hiperfoco para elas. O balanço repetitivo de mãos, que é o flapping… São muitas características que desde cedo podem ser percebidas”, aponta Naiara.

Ela alerta que o diagnóstico deve ser avaliado com responsabilidade. É importante seguir um protocolo que inclui atendimentos com neuropsicólogos, neurologistas, psicopedagogos, pediatras, entre outros. E, uma vez diagnosticado, ainda assim é recomendável buscar uma segunda ou até terceira opinião.    

“O atendimento com neuropsicóloga, por exemplo, não é de uma seção apenas, mas no mínimo seis. É preciso fazer um estudo de todo o contexto familiar. Não se pode basear o diagnóstico com base em uma ou duas características. Por isso, nós sempre indicamos mais de uma opinião. Estamos falando de algo que vale para o resto da vida, é muito sério”, alerta. 

Imagem: reprodução.

Associação Aquarela 

A Associação Aquarela em Erechim (RS) surgiu da união de pais e mães de crianças autistas, em 2008. Como o município não oferecia atendimento especializado, uma mãe resolveu procurar outras famílias com diagnósticos de TEA para, juntos, tentarem se organizar. “Essa mãe, a Mari, uniu forças com outros pais e mães e um desses pais, o Leandro Lerner, continuou na luta. Ele é o presidente da associação até hoje”, conta Naiara.

A associação não tem fins lucrativos, é mantida por meio de doações e parcerias com o município e todo atendimento é feito de forma gratuita. Há atendimento psicológico, musicoterapia, psicomotricidade, psicopedagogia, apoio para pais e mães de autistas e atendimento socioassistencial, que ampara o acesso aos direitos de pessoas com TEA. 

Atualmente, a associação atende um público de 93 pessoas, sendo o mais novo de 2 anos e o mais velho de 40.  “Não trabalhamos com processo de alta, mas com a consciência de que o autismo, apesar de não ser doença, não tem cura, então precisa sempre de um acompanhamento. E esse acompanhamento deve variar os estímulos. Se hoje o enfoque é a estimulação verbal, mais tarde pode ser a interação social e, assim, vai mudando o tipo de apoio e de terapia”, explica a coordenadora.

Níveis de suporte

Naiara ressalta que não é possível identificar uma pessoa com autismo apenas pela aparência, já que o transtorno é classificado em três níveis de suporte, sendo o primeiro o mais brando e o terceiro o mais severo. “O nível um precisa de uma ajuda para ir no mercado, por exemplo. É uma pessoa com suas especificidades, que tem crises, mas que consegue ter controle sobre elas, consegue se autorregular”, diz.

“No nível dois, está aquela pessoa não verbal, que não se comunica de uma forma tão clara e que precisa de um suporte maior para conseguir se comunicar. Tenho visto muitos autistas não verbais com altas habilidades se virando e dando conta do recado com um tablet em mãos ou outra ferramenta de apoio”, continua. “E o nível três de suporte é aquela pessoa não verbal, com muitas estereotipias, sensibilidades auditivas e sensoriais, existem muitas características. Essa pessoa precisa de apoio em tempo integral.”

Para ela, a rápida aceitação do diagnóstico pela família é fundamental para iniciar o acompanhamento adequado. “Se uma pessoa é nível um de suporte e não tem acesso às terapias ou à medicação correta em tempo hábil, ela pode passar para o nível dois, às vezes, até para o nível três. O contrário também acontece. Já houve casos de pessoas que entraram na associação no nível três e conseguimos reduzir para o nível dois”, aponta.

Imagem: reprodução.

Diagnóstico tardio

Segundo Naiara, o estigma ligado ao autismo ainda é forte, por isso algumas famílias sentem dificuldade tanto em buscar um diagnóstico quanto o acompanhamento terapêutico e medicamentoso. Ela lembra do caso de uma mãe que procurou a entidade depois de guardar o diagnóstico da filha na gaveta durante um ano e meio. 

A filha já estava com 16 anos e a mãe ainda não tinha contado para ninguém, nem para o pai ou para a escola. No entanto, a filha começou a regredir nos estudos, teve muitas crises e a mãe precisou buscar ajuda. “Ela disse que não estava pronta para contar sobre o diagnóstico por causa da rotulação e julgamento. Não queria que a filha saísse com crachá de autista na rua, mas ao mesmo tempo sabia que, se não usasse, ia passar por mal educada, como muitas vezes já passou.” 

Dessa forma, foi preciso primeiro trabalhar a aceitação da mãe para que depois ela pudesse apoiar a filha. “Quando ela conseguiu contar para a filha, a menina disse: ‘Que bom, mãe, agora eu sei o que eu tenho’. Essa filha já tinha sofrido muito bullying na escola por causa das estereotipias…”, diz.

Naiara também relatou um caso de uma mulher de 39 anos que foi buscar apoio na entidade após entender que sua vida reclusa, sem trabalho, amigos ou namorados, na verdade, era resultado do autismo não diagnosticado. “Hoje ela está trabalhando no RH em uma empresa da cidade, entrou pela vaga de PCD, está na área de formação dela, com as limitações que precisa. É uma autista de altas habilidades e que tem dificuldade de interação social.”

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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